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quinta-feira, 3 de julho de 2014

quarta-feira, 16 de abril de 2014

"UM QUINTAL"

 TEXTO DE DANUSA LEÃO 

"Quando uma pessoa começa a melhorar de vida, pensa logo em comprar uma boa casa.
E o que é uma boa casa?
É preciso um jardim e uma piscina, imaginam os pais. Eles querem para as crianças uma infância saudável, com  confortos que nunca  tiveram,mas não pensam no principal: um quintal.

Um quintal não precisa ser grande, e o chão deve ser de terra batida.Nele deve haver algumas árvores que não pareçam ter sido plantadas,mas sempre existido. Um abacateiro e uma goiabeira, de goiaba vermelha, são fundamentais.


No, fundo, um galinheiro tosco, com uma porta quebrada, para que as três ou quatro galinhas possam correr quando alguém quiser pegá-las. Nenhum computador levará uma criança ao deslumbramento que ela terá ao encontrar um ovo e segurá-lo, ainda quentinho.

É o mistério da vida nas mãos dela, mais absoluto e mais simples doque qualquer livro de filosofia.

Um dia, a cozinheira avisa que vai matar uma galinha para o molho pardo.

Os meninos pedem para ver a cena trágica; a mãe não quer; mas a
empregada, acostumada, com o facão na mão, facilita.

Se a galinha tiver dentro da barriga aquele monte de ovinhos, aí a lição de morte e - e de vida - será ainda mais completa.

E mais lições serão aprendidas quando alguém sugerir fazer uma peteca com as penas mais duras e algumas palhas de milho. Mas será que alguém sabe do que estou falando?

Voltando: esse quintal deve ser meio abandonado, mas muito limpo; duas vezes por dia a empregada, cantando bem alto, dá uma varrida.

É importante também que haja um tanque para lavar o pé de alguma
criança quando ela pisar descalça numa porcaria, e um varal com
pregadores de roupa de madeira.

Nesse lugar, não vai ter horta nem pomar organizado. Em compensação, é bom que exista do outro lado do muro uma enorme mangueira para  que se possa praticar o melhor crime do mundo: roubar as frutas do vizinho.

Nos fundos de um quintal, deve haver também uma touceira de bananeiras ou bambus e, claro, um adulto dizendo sempre para tomar cuidado, pois ali pode ter uma cobra. Não há infância que se preze sem medo de cobra.

Quando as goiabas começam a crescer, fica todo mundo de olho até a primeira delas estar no ponto para ser arrancada e mordida ali mesmo, sem lavar.  E que sensação terrível quando se vê o bicho da goiaba semexendo.

Aí, sem que ninguém precise dizer nada, você começa a aprender que a vida é assim: ou se compra uma goiaba bonita, mas sem gosto, ou se espera com paciência ela amadurecer no pé até destilar o supremoprazer de dar aquela dentada - com direito a bicho e tudo.

Mas o tempo voa.

De repente você se sente só, abre o  caderno de telefones e percebesua pouca afinidade com os nomes que estão lá, que tem vivido uma vida que não  tem nada a ver e começa a procurar um sentido para as coisas.

Não encontra resposta, claro, mas um dia está no trânsito, vê um
terreno baldio, se lembra daquele quintal no qual não pensa há anos e percebe que essa é a lembrança mais importante e mais feliz de sua vida.

E passa a olhar o mundo com a superioridade de quem tem um tesouro guardado dentro do peito, mas ninguém sabe.



quinta-feira, 24 de outubro de 2013

O QUE EU GOSTO DE VOCÊ NÃO TEM TAMANHO

Por - Tália Bed

Certas tomadas de decisão são solitárias, apesar de envolverem mais de um no contexto. Isso acontece porque não é possível mensurar no outro a intensidade do efeito que nossas atitudes poderão causar tendo em vista a individualidade. Aproximadamente, talvez, mas nunca corresponde exatamente à dimensão que alcança na pessoa afetada por elas. Trocando em miúdos, o título acima indica a avaliação unilateral de um sentimento depositado em confiança na criatura dos nossos sonhos. Foi um fato real. Era a mensagem de um poster de um elefantinho comprado em Brasília/DF, se não me falha a memória e entregue pessoalmente na empresa do destinatário. Poderia haver manifestação mais delicada que essa - trazer de viagem uma lembrança tão meiga? O mimo causou uma reação descabida de uma ex (o casal se separara em meio a disputas até pela mesa de jantar), na verdade, a ex cunhada - talvez bem mandada - foi deixar o poster na casa da atual namorada, quebrado em vários pedaços, uma verdadeira demonstração de deselegância, inapropriada e grosseira. Tratavam-se de pessoas - todas as quatro - instruídas, profissionais liberais, todos residindo em uma capital, conhecidos, alguns deles dividindo o mesmo ambiente profissional entre si ou com parentes próximos. Antes deste episódio tratavam-se cordialmente como exigem as regras sociais. Encontravam-se frequentemente no trabalho ou na universidade, algumas vezes em casa de familiares, havia um convívio profissional e pessoal por razões diversas. Não uma intimidade, mas uma proximidade respeitosa. Quanto ao novo casal a amizade começara muito antes de qualquer aproximação maior, inclusive houve uma ocasião em que o futuro namorado havia adoecido gravemente e retornara ao trabalho depois da convalescença e foi abraçado, tamanha a felicidade que foi sentida pela amiga ao vê-lo são e salvo. A idade favorecia a deferência em relação ao ex casal, no entanto o acontecimento do poster revelou a imaturidade do gesto arquitetado sabe-se lá por quem. Imaginem a decepção sentida por quem presenteara a pessoa amada ao receber em casa, jogado no terraço, os cacos do poster emoldurado com tanto carinho. Resumo da ópera: ao se encontrarem um outro dia no local de trabalho dele, o mesmo disse as palavras finais - "eu não gosto de você!" O que você teria feito? Pois bem, a rejeitada bateu os calcanhares e deu meia volta, volver! (isso daria um filme de Pedro Almodóvar, com Penélope Cruz no papel principal). Não demorou nada, a desenganada se casou com um moçoilo de 30 anos, ela com 31, e demorou menos ainda para o cidadão ligar para a residência dela e perguntar por que ela não o esperara. Mais, disse-lhe ainda que havia sido um choque para todo mundo (quem?!) e que ninguém pensara que ela se casaria(!). Algum de vocês respondeu alguma coisa? Ela também não. Ele ficou com a mesa que pedira de volta durante um jantar na antiga casa da família deixando todos a jantar sem mesa e continuou morando sozinho em outra casa no mesmo bairro de antes. Contam que ele passou o sábado ouvindo músicas - italiana (que adorava), pagode - e no dia seguinte foi encontrado pelo filho que estranhara o fato dele ainda não ter se levantado para trabalhar, já que costumava sair cedo de casa. Morrera só. A ex esposa foi ao velório e levantou-se de chofre ao ver a outrora namorada chegar, o que a inibiu de dar os pêsames até para a irmão dele. Ela fora acompanhada pela irmã, colega da ex esposa, inclusive receara o encontro, porém a irmã a tranquilizou dizendo que não haveria nada de mal em comparecerem juntas ao local. Em síntese, a antiga namorada foi sentar-se em um banco distante onde permaneceu o tempo inteiro em que a irmã ficou lá, onde recebeu a solidariedade de alguém que foi sentar-se ao lado dela. Moral da história: "Não se deve deixar passar as oportunidades de ser feliz por permanecer agarrado ao passado que não volta, por desperdiçar energia em disputas egoístas. Deve-se baixar as últimas resistências à felicidade que te sorri generosamente enquanto abrigas o ódio em teu coração." A vida não para, Penélope Cruz! Almodóvar bem o sabe.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

AS MINEIRAS

Carlos Drummond de Andrade

"O sotaque das mineiras deveria ser ilegal, imoral ou engordar, já que tudo que é bom, tem um desses horríveis efeitos colaterais, como é que o falar lindo e charmoso ficou de fora? Por que Deus, que sotaque!Mineira devia nascer com uma tarja preta avisando: Ouvi-la faz mal a saúde.Confesso: esse sotaque me desarma. Certa vez, quase propus casamento a uma mineira que me ligou por engano. Elas tem um ódio mortal das palavras completas, preferem, sabe-se lá por que abandona-las no meio do caminho. Os não-mineiros, ignorantes nas coisas de Minas, supõem, precipitada e levianamente, que os mineiros vivem apenas de uais, trens e sôs. Mineira não fala que o sujeito é competente, ele é bom de serviço. Nunca usam o famosíssimo tudo bem. Sempre perguntam "Ce tá boa?" Pra mim, isso é pleonasmo,  perguntar se uma mineira ta boa é desnecessário. O verbo mexer, para as mineiras tem amplos significados, quer dizer por exemplo, trabalhar. Se lhe perguntarem: "Com o que que oce mexe?", querem saber o seu oficio.  ineiras não dizem "apaixonado por". Dizem, sabe-se lá por que, "sou doida com ele" (ele, no caso, pode ser você, um carro, um cachorro). Elas vivem apaixonadas "com" alguma coisa. Também não gostam do verbo conseguir, aqui você nunca consegue nada, você não da conta. Que mineiras nunca acabam as palavras todo mundo sabe.E um tal de bunitim, fechadim, pititim. Não caia na besteira de esperar um "vamos" completo de uma mineira, vc não ouvirá nunca. Preciso avisar a língua portuguesa que gosto muito dela, mas prefiro, com todo respeito, a mineira. Aqui certas regras não entram. O supermercado nunca tá lotado,  sempre tá cheio de gente, não faz muitas compras, compra um tanto de coisa. Se, saindo do supermercado, a mineirinha vir um mendigo e ficar com pena, suspirará: Ai, gente, que dó. É provável que a essa altura o leitor já esteja apaixonado pelas mineiras.Mineiro não arruma briga, caça confusão. Capaz... Se você propõe algo e ela diz: capaz!! Vocês já ouviram esse "capaz"? É lindo. Quer dizer o quê? Sei lá, quer dizer "ce acha que eu faço isso"? com algumas toneladas de ironia... E o "nem", já ouviu?? Completo ele fica: "Ahhh nemmmm!" Significa, amigo, que a mineira não vai fazer o que vc propôs de jeito nenhum. Sou, não nego, suspeito. Minha inclinação é para perdoar, com louvor, os deslizes vocabulares das mineiras. Mineira não pergunta, vc não vai? A pergunta mineiramente falando e: "Ce não anima de ir?". O plural, então, é um problema. Um lindo problema, mas um problema. Se vc em conversa falar "Fui lá comprar umas coisas.", a mineira retrucara: "Ques coisa?" O plural dá um pulo, sai das coisas e vai para o que. A fórmula mineira é sintética. E diz tudo. Até o "tchau" em Minas é personalizado.
Ninguém diz tchau pura e simplesmente. Aqui se diz: "tchau procê", "tchau procês". É útil deixar claro o destinatário do tchau. A conjugação dos verbos em Minas têm lá seus mistérios.... LINDOS mistérios."

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

RELACIONAMENTOS


 Arnaldo Jabor

Sempre acho que namoro, casamento, romance, tem começo, meio e fim. Como tudo na vida.
Detesto quando escuto aquela conversa:
- Ah, terminei o namoro...
- Nossa, estavam juntos há tanto tempo...
- Cinco anos.... que pena... acabou...
- é... não deu certo...
Claro que deu! Deu certo durante cinco anos, só que acabou. E o bom da vida, é que você pode ter vários amores.
Não acredito em pessoas que se complementam. Acredito em pessoas que se somam.
Às vezes você não consegue nem dar cem por cento de você para você mesmo, como cobrar cem por cento do outro?
E não temos essa coisa completa.
Às vezes ela é fiel, mas é devagar na cama.
Às vezes ele é carinhoso, mas não é fiel.
Às vezes ele é atencioso, mas não é trabalhador.
Às vezes ela é muito bonita, mas não é sensível.
Tudo junto, não vamos encontrar.
Perceba qual o aspecto mais importante para você e invista nele.
Pele é um bicho traiçoeiro. Quando você tem pele com alguém, pode ser o papai com mamãe mais básico que é uma delícia.
E às vezes você tem aquele sexo acrobata, mas que não te impressiona...
Acho que o beijo é importante... e se o beijo bate... se joga... se não bate... mais um Martini, por favor... e vá dar uma volta.
Se ele ou ela não te quer mais, não force a barra. O outro tem o direito de não te querer.
Não brigue, não ligue, não dê pití. Se a pessoa tá com dúvidas, problema dela, cabe a você esperar... ou não.
Existe gente que precisa da ausência para querer a presença.
O ser humano não é absoluto.
Ele titubeia, tem dúvidas e medos, mas se a pessoa REALMENTE gostar, ela volta. Nada de drama.
Que graça tem alguém do seu lado sob pressão?
O legal é alguém que está com você, só por você. E vice-versa. Não fique com alguém por pena. Ou por medo da solidão. Nascemos sós. Morremos sós.
Nosso pensamento é nosso, não é compartilhado. E quando você acorda, a primeira impressão é sempre sua, seu olhar, seu pensamento.
Tem gente que pula de um romance para o outro. Que medo é este de se ver só, na sua própria companhia?
Gostar dói. Muitas vezes você vai sentir raiva, ciúmes, ódio, frustração... Faz parte. Você convive com outro ser, um outro mundo, um outro universo.
E nem sempre as coisas são como você gostaria que fosse... A pior coisa é gente que tem medo de se envolver.
Se alguém vier com este papo, corra, afinal você não é terapeuta. Se não quer se envolver, namore uma planta. É mais previsível.
Na vida e no amor, não temos garantias.
Nem toda pessoa que te convida para sair é para casar. Nem todo beijo é para romancear.
E nem todo sexo bom é para descartar... ou se apaixonar... ou se culpar...
Enfim...quem disse que ser adulto é fácil ???"

domingo, 14 de outubro de 2012

Ótimo por um átimo

Texto e foto de Valéria del Cueto

A vida é assim. Conduz a gente. Claro que há espaço para uma substancial colaboração no conjunto da obra. Mas, na hora do vamos ver, pode ter certeza: ela dá o seu pitaco e vira o jogo.
Quer um exemplo?
Cheguei numa praia repleta de atrações fotografáveis. De longe, procurei com o olhar o rumo do meu prumo, a Ponta do Leme. E lá, na Pedra, vejo que começaram a dar o ar da graça as florezinhas amarelas que recobrem as copas das árvores do perfil do morro por um curto espaço de tempo, um quase agora. É a florada dos Ipês.
De longe saco a máquina fotográfica. Cheia de gás e inspiração constato que não só as alterações da paisagem - mas o entorno como um todo - pedem um registro cuidadoso. Sinto-me leve. É a hora!
Começo num plano médio. Vou para o detalhe, pegando a bandeira que tremula no Forte Duque de Caxias e as flores, abro para um geralzão e...
A vida intervém. Poderia dizer, inclusive, que de forma muito antidemocrática. Lá se vão as baterias da câmera. Mais arriadas que pneu em caixa prego.
O que fazer com as bandeiras coloridas dos quiosques, as pipas, o tabuleiro de cuscuz, a leitora distraída? Sem falar no sol, na praia e nas ondas arrojadas que enchem o mar de surfistas.
A vida impõe. Quem pode, responde. Capto o sentido da restrição. Puramente fotográfica, ela não se estende à literatura.
Por isso estou aqui, olhando de dentro dos meus olhos para esse marzão adentro e desafiando minha capacidade de narradora para descrever, mais uma vez, o meu lugar. Meu e de muita gente que venho descobrindo através desse Sem Fim... de histórias que me seduziu. E de quem hoje sou uma escrava feliz que surfa pelas palavras tentando capturar o sentido das ondas por onde deslizam e evoluem homens e pranchas a minha praia.
Pensa que é fácil? Olha e escrever ao mesmo tempo é PHoda. Uma briga incessante. Dois polos te atraem ao mesmo tempo. Aqui, as frases e parágrafos exigem a sua atenção e rapidez, antes que passem batidas, engolidas pela velocidade dos pensamentos que, em décimos de segundos se projetam impacientes num passeio mental vertiginoso.
Lá, aí, lá. Lá é cá, no mar. Também um ciclo de imagens e manobras únicas que, a mim, seduzem desde a formação distante das ondulações que se revelarão boas ou más para a prática do surf, bodyboard e/ou do jacaré, o de peito. Até o momento em que a última espuma da antes poderosa força da natureza se espraia, lambendo preguiçosamente as areias do Leme.
Para mim, onda é um resumo da vida e mar uma síntese dos ciclos existenciais. Como um I Ching natural, aparentemente simples, porém tão complexo quanto os meandros mais profundos do oráculo chinês.
Mobilidade, volatilidade e instantaneidade. Assim são as ondas, movidas de acordo com o humor das correntes, das luas, dos ventos...
É atento a todos esses elementos que se joga na água o atleta. Na busca da sintonia com o mar. O desafio é a integração, por que dela vai depender a capacidade de ousar e criar suas manobras.
O sol, que brilhou até agorinha está se escondendo encoberto por nuvens desanimadoras. Mas como? Ainda não falei das roupas de neoprene penduradas na barraca para secarem. Nem mencionei minha paixão de sempre, as peladas na beira da praia...
É a vida, mais uma bateria que se esgota. Assim como o espaço dessa crônica, a única ditadura imposta pelos meus amados editores para os meus voos literários. Até a próxima!

*Valéria del Cueto é jornalista, cineasta e gestora de carnaval. Esta crônica faz parte da série “Ponta do Leme” do SEM FIM. delcueto.cia@gmail.com